quarta-feira, 11 de abril de 2012

O espelho

Celso Pinheiro de Oliveira

-Filho, acaba logo de escovar os dentes que você vai chegar atrasado na escola!

O grito da mãe tirou o garoto do seu encantamento matinal.
Momentos de reflexão em frente ao espelho para acertar a sua
agenda diária, que para os seus doze anos parecia uma sucessão interminável de tarefas.

Escola, quatro aulas maçantes entremeadas por um recreio cheio de correrias
na quadra na disputa do “mata-mata”, partidas de futebol nas quais o time que fizer o primeiro gol tem o direito de permanecer no jogo, eliminando seu adversário.

Terminada as aulas, o acertado com o seu amigo Luiz era irem nadar no Palmeiras até a hora do almoço.
Na volta, a subida da ladeira que os trazia do clube para casa, debaixo de um
sol de mais de 30º, já seria um grande exercício, mas não para os dois.
O acordo era almoçar, fazer a lição de casa na maior rapidez possível e voltar para o Palmeiras para passar o resto da tarde jogando futebol.

Para ele, ao contrário do amigo palmeirense, bem que o clube poderia ser o Parque São Jorge, mas como o Corinthians ficava do outro lado da cidade, a diversão era feita mesmo no território dos “inimigos”.
Jantar, televisão e cama para terminar o dia, porque as saídas noturnas só eram permitidas para o seu irmão mais velho.

Por um instante ele ficou a imaginar a vida com as possibilidades da noite.
Como ele e seu inseparável amigo Luiz iriam fazer parte dessa fraternidade ultra secreta, a dos meninos que podem sair à noite.

Os famosos bailinhos, as bebidas proibidas para os da sua idade, as meninas....
Aquela tal de Rita Moss cantando uma música chamada “Just a dream ago”. A menina
tentando afastar o corpo do seu corpo que insistia em colar.

E beijar? Será que ele saberia beijar quando chegasse a sua hora?
Lá estava ele, com um cigarro entre os dedos para parecer mais velho. O treinamento já estava sendo feito. Vez por outra, ele e o Luiz já conseguiam um cigarro para fumarem escondidos nas escadarias do seu prédio.

Namorar? Bom, namorar era coisa pra quando estivesse na faculdade.

Lembrou que nessa época estaria separado do seu grande amigo.
Luiz queria ser engenheiro, enquanto ele alternava entre educação física, direito (como seu pai e seu irmão), ou até mesmo essa coisa de publicidade.

Na faculdade sim, essa era a época certa para namorar, quem sabe até para achar a mulher com quem iria casar e ter seus filhos. Talvez filhas, quem sabe.

E como seria a vida do Luiz?

Provavelmente também se casaria e teria seus filhos. Quem sabe nossos filhos não se tornariam amigos como nós dois?
Aí voltaríamos a ser amigos. Jogar bola, viajar, sairmos todos juntos.
Quem sabe essa amizade possa nunca ter fim.


- Amor! O Luiz e a Alice chegaram. Você pode abrir a porta para eles que estou terminando de me arrumar?


Ele ajeita os cabelos que o tempo fez questão de embranquecer, dá um sorriso e vai cumprir o solicitado.

Lá no fundo, bem no fundo do espelho, aquele garoto também sorri.

Afinal, tudo havia sido como tinha que ser.

Rita Moss
http://www.youtube.com/watch?v=FYgXdMVmjzk