segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Clarear

Celso Pinheiro de Oliveira


Seus pés caminhando a beira mar provocavam um rastro de espuma branca na água fria da manhã.
O dia começava a nascer e o sol recém despertado tingia de dourado cada pedaço da praia.
Pequenos pássaros pernaltas aproveitavam a solidão daquela hora matinal para escarafunchar a areia em busca do alimento diário.
Para Clara aquela era a hora mais bonita do dia. A música dos pássaros e das ondas do mar fornecia a trilha perfeita para o encadear dos seus pensamentos, naquele primeiro dia de um novo ano.
Clara não havia conseguido dormir. Na verdade nem tentara.
Havia esperado que todos da casa buscassem o refúgio dos seus quartos, exaustos após horas de comemorações, comidas e bebidas a valer. Precisava estar só com seus sentimentos, só com as suas indagações.
Fora um ano muito complicado. As coisas foram acontecendo com uma intensidade e rapidez alucinantes.
Ela fora envolvida e arrastada como se um gigantesco tsunami a tivesse alcançado. Não houvera espaço para o raciocínio ou reflexão. Para cada situação uma resposta e ação automática, apenas para manter a cabeça “fora da água”, respirando quando possível.
A sensação de imobilidade era uma tortura para Clara. Sempre a frente dos fatos no comando da sua vida, manter as rédeas sob controle apertado era seu modo de agir. Tudo previsível e ajustado, sem surpresas.
Mas então, o chão “sumira” sob seus pés. Passara o ano inteiro à deriva, na espera de enxergar um pedaço de terra conhecida que a salvasse.
O tsunami que havia lhe arrastado em janeiro, somente em dezembro lhe devolvera a praia.
Acordara naquele réveillon como uma completa estranha. O chacoalhar dos meses havia embaralhado todas as suas certezas.
A mulher que, na noite anterior, havia jogado as suas oferendas para Iemanjá, pulado as sete ondinhas e passado por
todo o ritual de final de ano, da lentilha a folha de louro na carteira, era a Clara que ela conhecia, mas não a que ela parecia ter se tornado.
Qual o sentido em passar por todas as provações que a vida lhe trouxera naquele ano?
Uma picada em seu pé a trás de volta a praia. Uma pequena rosa trazida pela maré. Uma das tantas oferecidas na esperança que, por um passe de mágica, no espaço de tempo entre a noite e um amanhecer, tudo se transformasse para melhor na vida das pessoas.
Será que elas realmente acreditavam nisso? Que a passagem de ano fosse suficientemente forte para zerar todos os erros cometidos no ano que terminara, que todas as dívidas estariam perdoadas e, ao acordarem no novo ano, os ventos da boa sorte iriam soprar as velas dos seus barcos?
Clara senta-se na areia para observar o mar.
Ao seu lado, um pequeno caranguejo abandona a segurança do buraco na areia, e caminha com um andar enviesado em sua direção. Ao chegar perto para e passa a observá-la como se estivesse avaliando o perigo a ser enfrentado. Clara faz um pequeno gesto, o suficiente para que o caranguejo corresse de volta para o seu canto.
Os seres humanos, assim como aquele caranguejo, são parecidos pensa Clara. Ao menor sinal de perigo ou ameaça, buscam a segurança das suas casas.
O pensamento liga uma chave no cérebro de Clara. Uma chave que havia se desligado como se fosse um disjuntor em uma caixa de luz ao perceber a sobretensão do circuito.
É isso.....Ela havia passado por duras provas mas sobrevivera a todas. Estava ela ali, forte, inteira, novamente senhora das suas ações.
Para isso servem as provas, para nos ensinar, nos fortalecer para novas e necessárias experiências.
A vida é como uma grande escola se quisermos evoluir, “passar de ano”, as provas são fundamentais como medidoras da nossa capacidade de poder seguir por novos caminhos.
Clara levanta-se tomada de uma nova energia. Compreende que o manual de explicações da vida não está disponível nas bancas, que deve ser escrito por cada ser humano, contabilizando cada uma das experiências,boas ou más.
A evolução é uma coisa que deve ser buscada, não vem trazida pelas ondas do mar sob a forma de desejos de fim de ano.
Clara caminha em direção do mar e mergulha na primeira boa onda que passou.Ao emergir, a água que escorria pelo seu corpo parecia levar junto todas as suas amarras, suas aflições.
Clara finalmente entendera que não é a vida que muda, nós é que devemos mudar a vida dentro da gente.