segunda-feira, 26 de março de 2012

Uma aula celestial

Celso Pinheiro de Oliveira

A ansiedade era enorme, afinal, o tão aguardado convidado estava para chegar.
Como em um balé mágico, cada um dos presentes procurava naquela agitação dos acertos finais, o seu exato lugar
na festa, para que tudo corresse dentro do que fora previamente combinado.
Um velho coronel, vestido com um terno de linho branco e chapéu de abas largas, ainda acreditando em um poder a muito
perdido, bradava ordens de comando não obedecidas, enquanto procurava por todo o salão a sua mulher Maria Teresa.
No canto do bar, em seu enésimo uísque, um sujeito completamente entorpecido pela bebida, respondia a todos
que o chamavam de bêbado “...sou, mas quem não é?”
Em uma das muitas rodas de amigos formadas pelo local, avistava-se um senhor com um óculos de grau que possuía uma só das lentes
escura, como se fosse um tapa olho. Em voz alta, coisa que acentuava ainda mais o seu sotaque nordestino, contava para todos como
havia capturado uma onça feroz usando somente a força do seu pensamento, coisa prontamente confirmada pela esposa Terta, sua
fiel testemunha.
Uma senhora com um chapéu e luvas brancas rendilhadas, sentada em uma das poltronas, falava ao telefone com ares de segredo.
O comentário que corria pela festa é que ela estava falando com alguém importante de Brasília
Certamente não seria com o deputado, que com um bigode que mais parecia uma vassoura de piaçava, reclamava de todas as pessoas
humildes que o procuravam para fazer algum pedido, afirmando que para ele todos os pobres deveriam explodir.
Celebridade como convém a todo grande evento, não faltavam.
Um provável galã de novelas mexicanas, com uma inenarrável redinha a prender seus cabelos e um blazer que mais
parecia um robe de cetim, aborrecido por alguma pergunta feita pela entrevistadora de uma televisão, gritava para que
todos pudessem ouvir, “Eu não garavo mais!”
As atenções da imprensa logo se voltaram para mais um “famoso”, que vestindo um surrado agasalho esportivo, com uma bola
de futebol murcha embaixo do braço, insistia em afirmar que só estava esperando a convocação do Mano para se integrar a equipe
da seleção brasileira.
Enquanto isso, desfilando entre os convidados com um enorme crachá prateado pendurado no pescoço, um rapaz dentuço buscava seduzir
as mulheres presentes dizendo-se poderoso e amigo da “diretoria”.
No palco, um grupo de artistas com imensas cabeleiras e vestidos à la tropicália, cantavam uma música com um refrão esquisito, qualquer coisa
como ....vou batê pra tu batê, pra tu batê.
Observando ao longe, um velho negro com cabelos brancos encaracolados como se fossem nuvens, afasta dos lábios seu
cachimbo de madeira e sorri ao ver o esforço de um garçom fanho, com um bigodinho pequeno e fino, tentando explicar a um convidado
qual seria o cardápio.
Repentinamente as luzes se apagam e a música para. Silêncio.
O facho de um canhão de luz é dirigido para a porta principal do salão que se abre para deixar o convidado entrar.
Ele chegara!
Caminhando vagarosamente, como a querer saborear cada segundo da sua homenagem, o velho mestre encaminha-se ao
centro do salão.
A cabeleira ainda é toda branca, as rugas ainda desenham o seu rosto, como se quisessem perpetuar a história de toda a sua vida.
O terno - o mesmo - puído por anos de lavar e tornar a vestir. A gravata, que um dia fora encarnada, e que agora o tempo se incumbira de rosar.
Mas alguma coisa estava diferente.
As dores de coluna que por tantos anos lhe incomodaram haviam desaparecido. A tosse, cultivada a pó de giz durante uma vida inteira, não se
fazia presente. Suas pernas enfraquecidas haviam adquirido força nova. Caminhar já não era mais um sacrifício, a ligeireza havia voltado. Parecia
pronto para correr novamente pelas caatingas do seu nordeste, quem sabe até voltar a jogar futebol, no ataque do seu Vasco, quem sabe.
Olhando á sua volta reconhece a cada um dos seus filhos. Recorda o sofrimento e a alegria de cada criação. Cada um, um pedaço dele próprio.
Mãos o levantam e carregado em triunfo é conduzido ao palco. Ali sempre fora a sua casa, sua vida, sua fé.
As luzes não o impedem de enxergar a todos. Consegue avistar seus antigos companheiros, pessoas que tanto ajudou, mas que sempre souberam retribuir
cada gesto de carinho.
Convoca-os ao palco, chamando cada um pelo nome.
Enxuga a lágrima teimosa que insistia em cair e com a habitual voz rouca dá o comando.
- Senhores, ao trabalho! Vamos lá que aqui o Chefe não gosta de atrasos.
Nós, aqui na Terra ficamos órfãos, mas tenho a certeza que o Céu ficou um lugar muito, mas muito mais feliz de se viver!

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