quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Verdadeiros Encontros

Celso Pinheiro de Oliveira


Eram 21h30 e as ruas do Itaim já haviam trocado de público.
A agitação, o trânsito e o corre corre do dia, cederam lugar para a movimentação dos frequentadores da noite. Casais, grupos de amigos, solteiros e "ficantes", caça e caçadores em busca dos bares e casas noturnas da região.
Era como se a vida trocasse de cenário, para um novo elenco de atores que buscavam suas marcações.
Eu acabara de sair do escritório e, no caminho do estacionamento para pegar meu carro, decidi caminhar um pouco mais, na tentativa de baixar a tensão que me dominava.
O dia de trabalho havia sido bastante desgastante. A pressão por resultados, a luta por preservar as posições em nossos empregos, fazia de cada um de nós, combatentes de uma guerra não declarada, que encontra seu campo de batalha, muitas vezes, dentro das fileiras da nossa própria tropa.
No entanto, o que mais me incomodava naquele instante, era a discussão que havia tido pelo telefone com a minha mulher.
As ásperas palavras trocadas ainda ecoavam em minha cabeça. Como se fossem uma marreta, elas continuavam batendo em minha mente, afastando qualquer possibilidade de defesa ou esquecimento.
As reclamações eram recorrentes. Que eu não voltava mais cedo para casa, que o mundo agora estava reduzido somente ao trabalho, que para ela só restava a casa e os filhos. Onde eu havia escondido o homem por quem ela havia se apaixonado? E, por fim, a pergunta que sempre finalizava a discussão - o nosso amor havia acabado?
Como ela podia fazer uma pergunta dessa, se a pauta de toda a minha vida sempre foi a de buscar a proteção e a segurança de minha família?
Não seria por outro motivo que eu aguentava toda a pressão do meu trabalho, os "ataques" e conchavos em busca de um dinheiro cada vez mais difícil.
Não é fácil compatibilizar o idealismo e os sonhos da juventude com metas e resultados de vendas da companhia, somados a uma montanha - sempre crescente - de contas para pagar. Na verdade, nos últimos tempos, minha grande companheira era a insegurança, o medo de não conseguir atingir todos os objetivos traçados.
Os sons e risadas de um bar me acordaram dos pensamentos. A alegria que reinava na casa era contagiante. Quem sabe não encontraria ali um lenitivo para as minhas angústias?
Escolho uma mesa bem no canto - mesa de observador, de quem quer ver a agitação sem participar. Deposito na cadeira o meu cansaço e peço uma dose de whisky.
O rodar do gelo no copo provocava um ruído que funcionava como um mantra. Pouco a pouco, o alvoroço das conversas dos clientes do bar foram ficando mais distantes.
Não sei quanto tempo fiquei naquele estado letárgico. Alguma coisa começa a me incomodar. Uma sensação de ser observado, de algo ou alguém querendo chamar a minha atenção.
Do outro lado da fileira de mesas encontro a fonte do meu incômodo. Uma mulher me encarando, chamando a minha atenção.
Na verdade chamá-la de mulher, considerando a diferença de idade entre nós, era um exagero.
Deveria ter, no máximo, vinte e cinco anos que, comparados aos meus cinquenta e dois, faziam dela uma menina.
Não é comigo, pensei, desviando o olhar. Mas ela continuava me olhando fixamente, coisa para não deixar dúvidas.
Devo ter deixado escapar alguma expressão vaga, que ela tomou como incentivo e prontamente se encaminhou em minha direção. Sentou-se na cadeira vazia ao meu lado e começou a conversa, como se fossemos amigos de longa data.
Sua conversa, sua juventude e alegria, seu sorriso desinteressado, começou a me conduzir a um outro mundo, a uma nova realidade. Cada gesto, cada palavra, seu perfume. O meu corpo e alma estavam entregues em uma bandeja. Tudo foi esquecido, nada parecia ter mais importância.
Não sei quanto tempo me deixei levar por essa sensação de intensa alegria. Tudo havia perdido o sentido, Minutos e horas não contavam mais.
O sentimento de poder parecia ter voltado a frequentar as minhas emoções. Ela ouvia tudo o que eu falava como se eu estivesse explicando o significado da vida. Atenta, bebendo cada frase minha como se fosse um precioso licor.
O calor produzido pela proximidade de nossos corpos, a cumplicidade de seu braço apoiado sobre a minha perna, a magia daquele momento. Cada vez ficava mais clara a minha entrega.
Por um instante nossas bocas ensaiaram um encontro. Pude até sentir o aroma de hortelã misturado com a vodca que ela estava bebendo.
Quase perguntei onde ela tinha estado durante todos esses anos. A tempo evitei o vexame, percebendo que, provavelmente durante a metade da minha vida, ela nem nascida era.
Aquela menina me lembrava muito alguém e, por mais estranho que pudesse parecer, percebi que a semelhança era com a minha mulher.
Era o mesmo envolvimento, a mesma magia, um encantamento despertado há mais de vinte e cinco anos.
Repentinamente, em seus olhos vejo refletida a minha imagem. Não a de hoje, envelhecida e sem brilho, mas a de vinte, trinta anos atrás. De um jovem a desafiar o mundo, um Don Quixote contra os moinhos de vento.
Tudo ficou claro, como se uma imensa luz passasse a iluminar um quarto há muitos anos escuro em minha mente.
Chamo o garçom para acertar a conta. Deposito um beijo de agradecimento na testa daquela menina que, ainda atônita com a minha atitude, não consegue esboçar nenhuma reação.
Ganho a rua e sou recebido pela brisa da noite. Aquele aroma tantas vezes sentido em minha adolescência e juventude. Um aroma que sempre esteve lá, mas que eu tinha perdido a capacidade de sentir.
A consciência e a certeza do que deveria fazer fez brotar asas em meus pés. Meu corpo flutuava por sobre as calçadas.
Sabia que havia muitas coisas a resgatar. A mulher, os filhos, a casa e os amigos. Acima de tudo e de todos, uma era muito especial.
Era preciso resgatar aquele jovem refletido nos olhos da menina do bar. Um jovem que não dependia do corpo físico, mas sim das suas emoções.
Os sonhos e o coração nunca envelhecem.

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