quarta-feira, 10 de março de 2010

O alívio da canjica

Patricia Diguê


Alguém pode me ajudar na angústia de estar sempre em falta? Hoje esta idéia me atormentou. Percebi que não dou mesmo conta deste triturador de carne que é a vida, como define bem um colega jornalista. “Não adianta, a gente entra no moedor de carne e não consegue fazer mais nada”, filosofa ele sempre que me vê entre lamúrias existenciais.

É uma pesada culpa que me persegue em todo canto, mesmo que fuja para longe. Aliás, fugir piora tudo, porque a falta se amplifica. Tem a mãe que reivindica uma visita. “O que custa dar uma passadinha aqui de vez em quando?”. Tem a avó que já está bem velhinha e em cujo túmulo com certeza vou chorar de tanta culpa por não ter ido vê-la mais vezes. “Você é ocupada né?”. Também tem a sobrinha: “Tia, senta aqui e assiste desenho comigo!”. Sento 10 minutos: “O que são 10 minutos?”. Aí chego atrasada no trabalho, nem olho direito para os colegas: “Pô, e aquela cerveja?”. Percebo que com alguns não troco uma palavra há meses, mesmo vendo todo dia. “Ficou metida, não fala com os pobres?”. E o MSN que não entro, as mensagens do Orkut que não respondo, o blog que não atualizo, os telefonemas que ficam para depois? E os l ivros e revistas não lidos, as fotografias sem organizar. A lista continua: amigos de infância e o resto da família. O vizinho então? A empregada que só ouve bom dia e tchau. O filho do amigo que já cresceu e nem fralda dei, a amiga que ficou grávida e nem barriga vi. Os aniversários, batizados, casamentos, chás, bodas que faltei. “Você perdeu o bolo!”. As datas que esqueço e disfarço. Os presentes que não dei. As baladas que recusei. De tanto me tentar presente, me sinto sempre ausente, negligente, indiferente, inexistente, indolente...

Onde entra a canjica? Acontece que também carrego culpa por não cozinhar para as pessoas queridas, como manda o figurino. Não faço bolo de chocolate para os irmãos, nem almoço de fim de semana ou um sopão nas noites frias. Então hoje tomei uma decisão. Resolvi cozinhar uma canjica. Perdi alguns minutos no supermercado. Na hora do almoço, corri para o Compre Bem. Deu um alívio danado. Estava tudo lá na sacola: cravo, canela e leite condensado.

Descobri que os benditos grãozinhos precisam ficar de molho de um dia para outro. Tudo bem. Deixei-os na água como explicam no pacote. Devido às altas horas coloquei um bilhete na geladeira para que o primeiro que acordar coloque a canjica no fogo, aí é só misturar os outros ingredientes. Amanhã de manhã perco uma horinha, chego de novo atrasada, mas a canjica sai.

Se esta crônica levar alegria ou servir de alívio para meia dúzia de amigos, já estou contente. Serão menos meia dúzia para visitar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário