quarta-feira, 10 de março de 2010

Tristeza e globalização

Patrícia Diguê


Ando meio triste estes dias, como todo mundo às vezes fica triste. O problema é que encasquetei com a raiva que ao mesmo tempo sentia por estar triste e fiquei tentando entender o porquê. Pensei tanto que até esqueci por que mesmo estava triste. Mas o problema é que fiquei ainda mais revoltada com a conclusão que cheguei.

Se não bastassem todas as obrigações que a vida nos impõe, a gente ainda precisa mostrar que é feliz. Esta coisa virou uma obrigação mesmo. Apenas sorrir está na moda. Tristeza é demodé. Aí, fica todo mundo perdido, sem saber quem realmente está triste e precisa de ajuda. Porque quem está triste de verdade tem medo de dizer e pedir socorro. O que iam pensar? “Oi, tudo bem? Tudo bem.”

Hoje, no início da noite, estava realmente triste, parecia que até ia chorar, credo! Aí chegou o chefe (um dos) e tive que abrir um sorrisão, daqueles super espontâneos, sabe? Até saiu um som do sorriso. Outro dia estava p. da vida com não lembro o quê e, como de costume, chega alguém: “Melhora esta cara”. Ou então: “Passa um batom”. Eles são os fiscais desta lei velada de irradiar bem-estar 24 horas por dia, 365 dias por ano.

Fiquei pensando por que olhos caídos e lágrimas são tão discriminados? Afinal, como defendeu com bons argumentos Darwin, algumas emoções (incluindo a tristeza) são inatas dos seres humanos. (Traduzindo: certas emoções são universais, e não produtos da cultura. Ele conseguiu provar isso basicamente mostrando que as reações em relação a certos sentimentos são idênticas aqui e na Conchinchina - afinal, este lugar existe?)

Deveriam inventar a cota de tristeza. Pronto, você tem direito de ficar triste 30 dias em um ano, por exemplo. Poderiam até criar uma licença-tristeza. Afinal, não é nada fácil sorrir nestes dias. Proporei isso às centrais sindicais.

Chorar em público então... Isso é terminantemente proibido. Só no banheiro e olhe lá. Trate de limpar esta cara, jogar água gelada e passa um pózinho.

Além de fora de moda, ficar triste gera culpa. Uma culpa globalizada.

Como posso ficar triste enquanto há centenas de desabrigados em São Paulo por causa da chuva; outros cento e tantos mortos no Iraque; milhões de famintos pelo mundo; mulheres sendo apedrejadas no Oriente Médio; outros milhões desempregados; o urso panda em extinção; gente morrendo em queda de avião; meu avô lá na esquina sofrendo de Alzheimer; zilhões com doenças terminais; minha amiga se divorciando; crianças pedindo dinheiro nas ruas; velhos caçando latinhas nos lixos; gente dormindo embaixo de jornal; filho matando pai; menino queimando índio. E o desmatamento? E o aquecimento? E o descaramento? Egoísmo, cinismo, banditismo! Malandragem, lavagem, galinhagem! Guerra, sem-terra, favela!

Por que mesmo eu estava triste?

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