quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Sessão Privada

Patrícia Diguê


Sempre me gabei de ser daquelas mulheres que vão ao cinema sozinhas. Isso, pra falar a verdade, ocorreu só uma meia dúzia de vezes, normalmente quando quero muito assistir a um filme e, ao consultar a lista de possíveis companhias na agenda do celular, acabo preferindo abraçar a pipoca e a coca cola no escurinho. Ontem foi mais ou menos assim. Quero dizer, nem estava tão interessada assim no filme e nem tinha tanta opção assim no meu celular. Mas precisava mostrar pra mim mesma que ainda tenho forças para enfrentar o frio e a solidão. Logo ao sair de casa, deu vontade de voltar correndo. Além da temperatura não-convidativa pra largar as cobertas, ainda chovia e ventava. Já que havia tido tanto trabalho colocando uma coleção de blusas, segui firme e forte meu caminho. Após uma viagenzinha curta em um ônibus double deck lotado, lembrei que precisava providenci ar a minha companhia. Não apeteceu a pipoca, nem os sanduíches gelados do supermercado. Aí que para me manter fiel à minha dieta especial de muita gordura trans dos últimos meses, resolvi por um número quatro do Burger King, um cheese bacon com gosto de óleo saturado (mais batatas fritas e refrigerante, claro). Ansiosa pra mostrar como eu sou independente e bem resolvida, tratei de entrar logo na sala. Pensei: “Sem essa de esperar ficar escuro pra ninguém ver que estou sozinha, afinal, dificilmente eu encontraria alguém conhecido aqui mesmo e, se isso miraculosamente acontecesse, tenho a velha desculpa de que não sou daqui”. Respirei fundo e entrei na sala à meia-luz. Pra minha surpresa, não havia viv'alma no lugar. Olhei as horas e percebi que estava meia hora adiantada. Sentei confortavelmente na poltrona marcada (nos cinemas de Londres, você compra o ingresso com o número da poltrona) e até aproveitei pra botar os pés na cadeira da frente. Olhei para o s lados e saquei meu sandubão. Como tinha escondido ele na bolsa, com refrigerante e tudo, já era esperado que tudo tivesse se derramado lá dentro. A tarefa de tirar todas as tralhas, secar com os guardanapos do Burger King e me preparar para comer tinham pelo menos feito o tempo passar mais rápido. Mas ainda faltavam 15 minutos e continuava como a única expectadora. Entre uma música e outra da estação de rádio, podia ouvir o farfalhar do saco de batatas e até minha mastigação. De repente, a música cessou e os comerciais (uns 10 pelo menos) começaram. Foi então que percebi que, literal e tragicamente, assistiria ao filme completamente sozinha, nem daria pra disfarçar que estava com a turma do lado. Um certo pânico me bateu. Pensei em descer e dizer para os funcionários: “Olha, deixa pra lá, não foi uma boa ideia eu vir ao cinema às seis e quinze da tarde em uma terça-feira com previsão de nevasca”. Desisti. E comecei a sentir peso na consciência. Toda aquela parafernália gastando energia e gerando quilos de gás carbônico só para o meu bel prazer. Sem falar que ainda tinha pago meia-entrada. Enquanto esses pensamentos iam me constrangendo, o filme começa. E então entra uma moça. O que me aliviou, mas em seguida aparece sua amiga e fiquei imaginando elas me achando uma louca com a bolsa aberta cheia de guardanapos e um monte de batata frita na boca.

Comedinha romântica. Aquela atriz que fez “Diário de Bridget Jones” - que não estou com vontade de escrever o nome porque é impronunciável e insoletrável - é uma executiva de Miami atrás de subir na carreira que acaba indo parar em uma cidadezinha do interior, conhece um grande amor, se apaixona e se casa. Até agora não sei por que entrei para assistir a esse filme e, pior, ainda consegui chorar. Chorei especialmente na hora em que ela ganha de presente de Natal da secretária (snif) um caderno de anotações com algumas fotos dela mesma coladas. Aí a secretária aponta pra uma delas e diz: “Nesta você parece que está carregando todos os problemas do mundo nas suas costas”. Snif!

Na saída, um coroa puxa conversa enquanto eu esperava a chuva passar embaixo da marquise. “Acabou de ver um filme?”, perguntou obviamente. Achou que eu era da Bulgária. Contou que é sul-africano e que já tinha ido ao Brasil, passando por três estados. Brasília achou sem graça, São Paulo, muito grande, e Rio, “Yeah, Rio!”. A rápida conversa progrediu para a comparação entre as economias dos dois países (Brasil X África do Sul). E, comprovando que o marketing lulista de rei do petróleo está tendo resultado, ele, como muitas pessoas que tenho encontrado ultimamente, me diz: “Mas lá a economia está melhorando não é? Muito melhor que na África do Sul, está na hora de você voltar, não?”. Como demorei pra responder e fiquei olhando pra ele com cara de interrogação, ele ri, me deseja boa noite e entra no pub. Eu fico ali alguns segundos, prostrada, olhando para o nada. E de novo na companhia do frio, do vento, da chuva e da solidão, volto para casa, pelo menos agora sonhando com um lindo príncipe encantado que com certeza me espera calmamente em alguma cidadezinha do interior de algum lugar do mundo.

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